terça-feira, 20 de julho de 2010

Uma Escapada à Argentina (via Bagé, claro)

Meu pai teve moto. Acho que era uma B.S.A. preta. Ele mesmo reformou e andava prá lá e prá cá por toda Bagé, trocando marchas naquela palanca ao lado do tanque. Década de 50 e eu pequeno olhando aquelas proezas. Nunca esqueci. Aquilo tudo ficou marcado em mim.

Mais tarde (1970) começaram a aparecer as japonesas, pequenas e grandes, e a cada uma que passava eu virava a cabeça. Cheguei a comprar um Chevette zero na Casa Dico,P.Alegre, mas acabei trocando por uma CG 125, que eu conseguia botar na sala e ficar à noite, admirando. Depois passei para uma Honda CB200, aí sim, o máximo, com partida elétrica (Bah!!) e um enfeite em cima do tanque que lembrava a cabeleira da rapaziada do Santos (moicano). A coisa evoluiu. Depois de algum tempo, uma CB 400/1984. O céu! Com esse calibre de moto já dava prá pensar em grandes travessias. E lá fomos nós numa maravilhosa Bagé/Rio de Janeiro. Num tempo que o trecho Bertioga/Rio era só lama. Viagem inesquecível!

Por um tempo a paixão ficou adormecida. Mas sempre que passava por alguém na estrada, de moto, eu já ia chamando de colega e dizendo que queria estar lá.

Até que um dia criei coragem de novo (agora com 62 anos) e encostei meu carro numa revenda e saí de lá com uma Suzuki Boulevard M800 nova e um golzinho preto. Meu Deus!! A moto ficava na garagem e eu do lado, sentado, sem tirar os olhos .


Primeira saída maior rumo a Jurerê, com meu amigo Ari em sua Drag Star, e...Puft!!! Sem saber direito o que havia ocorrido, fiquei sentado no asfalto, surpreso. Achei que aquilo não poderia estar acontecendo comigo.Não sabia que não se podia deitar tanto uma custom numa curva e a pedaleira raspou o chão 2 vezes. Caí forte. Pensei que já era Valentino Rossi. Me achei! Com os olhos bem arregalados e acreditando que o sonho havia acabado, juntei os pedaços e fui para casa restaurar o estrago, que foi só na moto.

A idéia era viajar. Já andei muito de carro em viagens pelo Chile, Argentina e Uruguai, lugares em que todos tem ou tiveram uma moto, portanto respeitam e gostam delas. Viajar por essas bandas, agora de moto, tinha certeza que seria ótimo.

Eu, que venho de um passado sofrido, por uma coluna problemática (hérnia de discos), ficava duvidando da minha capacidade de suportar uma viagem longa, de moto. Então criei a idéia de ir até minha terra natal - Bagé-RS. Eu, que hoje moro em Floripa, fiquei imaginando: se eu conseguir ir até Bagé (+ou- 1000km.) é sinal de que posso ir até Londres. E fui, sem dores. Não sem antes passar em Porto Alegre e me deliciar com os risotos do meu cunhado Romeu. A única coisa que não está batendo é que a minha mulher, a Ledinha, não tem jeito de subir na garupa, mas tá sempre dando força e entusiasmo.


Projetamos uma viagem maior, eu e meu parceiro Beto Alagia. Iríamos até Córdoba-Argentina. Partiríamos de Bagé(RS) rumo ao Uruguai por Livramento(RS) e Rivera-UR, e passaríamos para a Argentina por Salto-UR/Concórdia-AR. Seriam aproximadamente 4500 km., entre ida e volta. Uma espécie de vestibular prá ver se estávamos habilitados a fazer percursos maiores.


Então dia 16 de maio de 2010, partimos nesse projeto. Eu, já em Bagé com 1000 km nas costas e com o traseiro mais conformado, aceleramos um pouco o nosso espanhol fronteiriço e fomos embora.


Foram 10 dias de pura vagabundagem, misturado ao enorme prazer de andar de moto. Eu na minha Boulevard e o Beto numa Honda Hornet 600, completamente nervosa e rápida. No caminho o Beto queria que a gente trocasse de moto, prá experimentar e eu nunca quis, por medo de cair daquele cavalo xucro.

Fomos por um trajeto não muito bonito. Já sabíamos que as belezas da Argentina começam depois de Córdoba, mas não tínhamos tempo para ir mais longe (o Beto ainda é do tempo de trabalhar). De qualquer maneira continuamos para a bela Villa Carlos Paz, subindo a Serra de Córdoba (2600 m. acima del mare) e aí o friozinho nos pegou. Estávamos bem mais próximos dos vôos maravilhosos dos condores.


Em muitos momentos deixamos de visitar pontos históricos pela limitação dos nossos equipamentos. Algumas Estâncias Jesuíticas ficam em lugares com estradas de “rípio” (pista de terra com pequenas pedras). Motos tipo Custom não gostam nem um pouco desses terrenos. A chance de cair é grande.Passamos batidos. Por isso, hoje, fico olhando muito pro lado dessas “BigTrail” que andam em qualquer terreno. Quem sabe nas próximas viagens esse seja o equipamento.

Fizemos todo o trajeto de “Altas Cumbres” e começamos a voltar passando pela cidade de Miramar,que fica a beira de um lago que mais parece um mar, chamado Mar Chiquita.Lugar interessante. No Uruguai voltamos a pernoitar em Salto, com suas águas maravilhosas a 42 graus,e uma churrascaria ao lado do hotel que servia um vinho maravilhoso.(El Fogon). Um dia nas águas de Dayman e a pessoa fica novinha em folha.


De Salto a Rivera andamos o tempo todo embaixo de uma chuva torrencial. O Beto tem em Bagé uma loja de departamentos, e eu caí na armadilha: resolvi comprar umas botas que ele argumentou serem “100% impermeável”. Bem, nessa chuvarada que nos pegou (+ou- 500 km.), de Salto a Rivera, tudo funcionou direitinho: a roupa de cordura não deixou passar água, o capacete idem, mas as botas mais pareciam baldes pesadíssimos. E o mais interessante é que a loja não aceita devolução!!! Meu Deus.! Tem picareta prá tudo.

Após 4500 km. chegamos a Bagé sem nada ter acontecido de errado. As motos nem tossiram. As paradas foram só prá pernoites e abastecimentos. Fiz mais 1000 km. e cheguei em casa, na boa. È por isso que aconselho todos que forem viajar, seja pro sul ou para o norte, começarem suas viagens VIA BAGÉ. Dá sorte!!


Agora estamos tratando de conseguir mais um companheiro: Dr. Ernani Deiro que vai se juntar ao grupo, prá resolver os problemas jurídicos que possamos ter na Patagonia Argentina ou no Deserto do Atacama. Até lá!

Roberto Saraiva da Silva - Florianópolis-SC 20/07/2010